”O 15-M é emocional, lhe falta pensamento”, afirma Zygmunt Bauman

Caderno ENSAiOS publica nova entrevista com o filósofo Zygmunt Bauman. Há cerca de dois meses, postamos uma outra,  em vídeo, por sugestão de um amigo deste blog. Na ocasião, pudemos avaliar melhor certas questões mais gerais ligadas às ideias desse grande pensador contemporâneo. Agora, somos confrontados com as suas observações sobre o 15-M. No site da Unisinos, via Luis Nassif Online.

Zygmunt Bauman, o filósofo e sociólogo polonês, famoso pelo seu conceito modernidade líquida, tão fértil que foi aplicado ao amor (líquido), a arte (líquida), ao medo (líquido), ao tempo (líquido) e assim a qualquer coisa, publica o ensaio 44 cartas a partir do mundo líquido [no Brasil publicado pela Zahar].

Bauman esteve em Madri para receber o prêmio Príncipe Asturias de Comunicação e Humanidades 2010 e para realizar uma conferência no Matadero sob o título Tem futuro a solidariedade? No sábado à tarde, no mesmo horário da manifestação mundial dos indignados, fizemos uma conversa em um hotel a menos de 100 metros da praça de Atocha, onde, entre a multidão, não cabia um alfinete.

Reportagem de Vicente Verdú publicada no El País, 17-10-2011. A tradução é do Cepat.

Pergunto ao professor emérito da Universidade de Leeds (Inglaterra) se lhe parece que essas grandes manifestações massivas, pacíficas e tão heterogêneas conseguirão enfrentar os abusos dos mercados, promover uma democracia real, reduzir as injustiças e, em suma, melhorar a equidade no capitalismo global, mas como professor que é, não responde a questão de uma vez só.

Em sua opinião, a origem de todos os graves problemas da crise atual tem sua principal causa na “dissociação entre as escalas da economia e da política”. As forças econômicas são globais e os poderes políticos nacionais. “Essa descompensação arrasa as leis e as referências locais se convertem à crescente globalização. Daí que efetivamente, os políticos se pareçam como marionetes ou como incompetentes, quando não corruptos”.

“O movimento do 15-M deseja suprir a falta da globalização da política mediante a oposição popular”. Uma oposição eficaz? Na opinião desse sábio de 86 anos, o efeito que se pode esperar desse movimento é “aplainar o terreno para a construção mais tarde, de outro tipo de organização”. Nem um passo a mais.

Bauman qualifica esse movimento, como é bem evidente, de “emocional” e, em sua opinião, “se a emoção é apta para destruir resulta especialmente inepta para construir. Pessoas de qualquer classe e condição se reunem nas praças e gritam os mesmos slogans. Todos estão de acordo com o que rejeitam, mas se receberiam 100 respostas diferentes se lhes perguntasse o que desejam”.

A emoção é (como não?) “líquida”. Ferve muito, mas, também logo se esfria. “A emoção é instável e inapropriada para configurar algo coerente e duradouro”. De fato, a modernidade líquida dentro da qual se inscrevem os indignados possui como características a temporalidade, “as manifestações são episódicas e propensas à hibernação”.

Precisaria de um líder inflamado? Vários líderes temperamentais? “O movimento não aceitaria, uma vez que, tanto sua potência como seu gozo é a horizontalidade, sentir-se juntos e iguais, o que, em importante medida nega o superindividualismo atual”. A superindividualidade (da modernidade líquida) “cria medos, desvalimentos, uma capacidade empobrecida para fazer frente às adversidades”.

O stress é a doença que acompanha essa sevícia. “As pessoas se sentem sós e ameaçadas pela perda do emprego, da redução dos ganhos, da dificuldade de adaptação ao risco. O stress é corrente entre os desempregados, mas também nos empregados, pressionados pela demissão, as aposentadorias precoces ou salários cada vez mais baixos. Nos Estados Unidos o stress produz tantos danos econômicos como a soma conjunta de todas as demais doenças”. As baixas no trabalho por stress chegam a custar, diz Bauman, 300 milhões de dólares por ano e a cifra aumenta a cada ano.

Tudo isso provocará uma mudança no sistema, um colapso ou alguma mudança substantiva? Sua resposta é que, nesse momento, prefere falar de “transição” e não de “mudança”. Seria preciso fatos mais claros para se pronunciar sobre o alcance dos atuais transtornos. “Antes, se necessitava de muito tempo para se organizar atos massivos como os do 15-M, mas hoje as redes sociais permitem enormes concentrações em pouco tempo”. Mas retornamos ao mesmo: da mesma maneira que se concentram e agem com velocidades, poucos depois somem.

O movimento cresce e cresce, mas “o faz através da emoção, lhe falta pensamento. Com emoções apenas, sem pensamento, não se chega a lugar nenhum”. O alvoroço da emoção coletiva reproduz o espetáculo de um carnaval que acaba em si mesmo, sem consequência. “Durante o carnaval tudo está permitido, mas terminado o carnaval volta-se a normalidade de antes”.

Pode dizer-se, declara o professor, que “falamos de uma fase especialmente interessante como num laboratório de nova ação social”. Cedo ou tarde a crise terminará e, sem dúvida, as coisas serão diferentes, mas, de que modo?

“Não me peça que eu seja profeta”, pede Bauman. “Em alguns lugares, não em todos, o movimento tem conseguido conquistas importantes, mas não extensível a todos os países”. O líquido continua sendo válido para a previsão do que vem pela frente. A modernidade líquida se expressa, obviamente, em sua falta de solidez e de firmeza. Nada se acha o suficientemente determinado. Nem as ideias, nem os amores, nem os empregos, nem o 15-M. Por isso teme que tal arrebatamento acabe também, finalmente, em nada. Não é certo, mas sendo líquido, como não pensar na evaporação?

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