Faz algum tempo, li estarrecido uma matéria de exatos treze anos, sete meses e cinco dias, A falsa quebra do Banespa e do BB: as provas, publicada numa quinta-feira, no dia 5 de junho de 1997, pelo falecido jornalista Aloysio Biondi, no III Ano da Graça do Governo de Fernando Henrique Cardoso.
Deixei passar o tempo entre a leitura e essa postagem por razões óbvias: não gostaria de contaminar a minha indignação com os vitupérios de uma campanha presidencial construída a base de acusações e construções midiáticas que ultrapassaram o limite do bom senso.
Sinto-me profundamente lesado.
Embrutecido da maneira mais vil em minha cidadania.
Insisto: não deixe de ler.
Uma história que sempre dei como certa, se desfez como uma mentirinha. Foi contada durante muito tempo, em diversas ocasiões, como uma fala insuspeita. Queriam com isso enganar crianças, e as crianças eram o povo desse país. Os tolos que não podem decidir seus destinos, lidar com a verdade, compreender a verdade, incapazes que são de pronunciar qualquer sentença sensata. E, para tanto, necessitam ser tratados como idiotas. Homens tolos. Medíocres e tolos.
E o mais grave é que, após o desmentido feito pela própria equipe econômica três anos depois, a mídia simplesmente deu as costas. Não irradiou uma vírgula, um ai furibundo, uma indignação. Nada.
E aí restou a singela pergunta: como acreditar numa instituição capaz de fabricar artificiosamente um mundo político?
Reafirma-se, a cada instante da comunicação, o projeto insidioso de imbecilização dos homens em escala planetária. E, nessa condição, trazemos para cá, salpicando aqui e ali, alguns condimentos próprios, bastante assemelhados, mas que têm lá as suas especificidades.
No caso, era a quebra de um banco estatal do maior estado brasileiro, que, à época, detinha quase 40% do PIB nacional. E a artimanha ridícula era dizer que o banco faliu para poder ser privatizado. Lembro das palavras do Mário Covas, reproduzindo, segundo ele, aquilo que escutara do Quércia: “quebrei o Banespa, mas fiz meu sucessor.”
Onde está o engano?
A pedidos do leitor Cisco Zappa, segue a íntegra do texto do Aloysio Biondi. Boa leitura!
A falsa quebra do Banespa: as provas
Jornal Folha de S. Paulo, quinta 5 de junho de 1997
Quem está confessando a verdade, agora, é a própria equipe econômica FHC/BNDES: o Banco do Estado de São Paulo não “quebrou” em 1994. Sua “falência”, anunciada ruidosamente, foi forjada por Malan, Loyola, Franco, Serra e aliados – com a conivência do governador tucano Mário Covas, óbvio. O Banespa jamais quebrou – foi tudo encenação para enganar a opinião pública e levá-la a apoiar a sua privatização.
Essa confissão foi feita na semana passada, sem merecer o destaque devido, nos meios de comunicação. Para entender a reviravolta, não custa relembrar a história da “quebra” do Banespa: em 1992, o governo paulista, com o apoio do próprio Planalto, renegociou sua dívida para com o banco, para pagamento em muitos anos, em prestações. Até dezembro de 1994, essas prestações foram pagas.
Naquele mês, já eleito o tucano Mário Covas, e às vésperas de sua posse, o governo Fleury atrasou o pagamento de uma prestação, no valor de R$ 30 milhões, ridículo quando comparado ao tamanho da dívida, então de R$ 5 bilhões. Período do atraso? Apenas 15 dias. Prontamente, a equipe FHC/BNDES aproveitou o “atraso” para considerar que o acordo de refinanciamento da dívida estava quebrado e, como conseqüência, decidiu também que toda a dívida de R$ 5 bilhões deveria ser considerada como prejuízo. Isto é, deveria ser considerada “dinheiro” irrecuperável, e, portanto, lançada no balanço do Banespa como prejuízo.
Só ilegalidades – Note-se bem: a equipe FHC/BNDES cometeu o disparate de tratar o Estado de São Paulo como se ele fosse um dono de boteco de esquina “quebrado”, que jamais poderia pagar o Banespa. Ordenou que toda a dívida fosse considerada, no balanço, como prejuízo definitivo, dinheiro perdido para todo o sempre. Com essa orientação, obviamente o Banespa apresentaria um prejuízo gigantesco no balanço daquele ano. Ou, pior ainda, um prejuízo superior ao próprio patrimônio do banco, que, assim, foi declarado “quebrado”.
Qual foi a reviravolta da semana passada, a confissão do governo FHC? Aqui, é preciso mais um pouco de história. A pretensa “quebra” do Banespa foi atribuída a desmandos, corrupção e dívidas contraídas nos dois governos anteriores, do PMDB, Quércia e Fleury. Inconformado diante da manobra, o ex-governador Orestes Quércia entrou com ação, na Justiça, para impedir que fosse adotada a “fórmula” de lançamento de falsos prejuízos, imposta pela equipe FHC. Suas principais alegações na Justiça: a manobra da equipe FHC era absolutamente ilegal, pois desrespeitava as próprias normas (“leis”) do Banco Central.
Como assim? Quando um cliente não paga sua dívida para com um banco qualquer, o Banco Central permite que o atraso chegue a até um ano, 365 dias, antes de exigir que essa dívida seja lançada como prejuízo no balanço. Esse prazo máximo, de 365 dias, é válido para os casos em que o devedor tenha garantias (imóveis, bens etc.) a oferecer – e o devedor, no caso, era nada mais nada menos que o próprio Estado de São Paulo. Mesmo quando o devedor não tem garantias a oferecer, o prazo mínimo concedido pelo BC é de 30 dias. E, no caso do Banespa, o atraso da parcela de R$ 30 milhões era de apenas 15 dias. Isto é, dentro do prazo de tolerância das regras do Banco Central. Mesmo assim, houve a encenação da ruidosa quebra. Arbitrariedade monstruosa.
A confissão – A partir da ação do ex-governador Quércia, por decisão da Justiça a publicação dos balanços do Banespa está suspensa desde 1994 – enquanto não se chegava a uma conclusão definitiva sobre a legalidade da decisão do governo FHC, de “decretar” a quebra do Banespa. Agora, a reviravolta: na semana passada, o Conselho Monetário Nacional, isto é, o governo FHC, autorizou o Banespa a publicar balanços dos últimos três anos, sem lançar a dívida do Estado como dinheiro irrecuperável – isto é, exatamente como o ex-governador defendia na Justiça. Desapareceu a “quebra” do Banespa – e é notável que os meios de comunicação, salvo registro na Gazeta Mercantil, tenham ignorado a imensa importância do fato. Desapareceu o prejuízo do Banespa. Os balanços de 1995, 1996 e 1997 vão mostrar lucros. A farsa está desmascarada. Qual a semelhança entre o Banco do Brasil e o Banespa? A equipe FHC forjou, com mecanismos iguais, o “prejuízo recorde” do Banco do Brasil – como esta coluna denunciou na época. Ações na Justiça podem restabelecer a verdade.