Por Theotonio de Paiva
Recebo mensagem de Vera, amiga lá de Minas.
Dizia mais ou menos o seguinte: ontem, em visita diária à casa paterna, a fim de filar a comida da Nazareth, que é deliciosa, ouvi o explosivo comentário de meu pai, a propósito das eleições:
– Pra mim tanto faz, que é trocar seis por meia dúzia!
(Em tempo: o pai dessa amiga tem 80 anos. Talvez para alguns isso ainda signifique um “apesar de”, ou um “muito embora”. No entanto, pelo visto, ele continua muito ativo: é ligado ao seu tempo. Tanto assim, que lhe pediu links onde pudesse ler sobre o momento atual.)
Cena que segue.
Claro, pau na hora do almoço. Depois a pergunta cheia de incredulidade:
– Onde na internet tem estes artigos que você tá falando?!
No dia seguinte, acessaram juntos algumas indicações para salvar nos favoritos. Vera sugeriu que ele começasse justamente pelo meu blog.
Caramba! Caíram os meus arqueados ombros por terra. Senti o peso da responsabilidade: o meu internauta agora tem nome e sobrenome. Preciso começar a dialogar com alguém do outro lado da tela que bem poderia ser meu pai, o que muito me honra, diga-se de passagem. De fato, esse não é o problema. Contudo, ele exige do alto de sua experiência soluções rápidas. E em bom português.
Vira o rosto e segue, recomendou Virgílio a Dante.
O meu desgraçado poeta torto me obriga a pensar na mudança radical de conceito, e exclama: seis não é igual a meia dúzia!
Meia dúzia você encontra na feira, nas vendas de rua, nas bibocas, nas falas do povo.
Meia dúzia é gostoso de dizer. Cabe na boca que nem bombom oferecido pela namorada, beijo roubado, palavrão a mancheias para se livrar de uma praga lançada pelo vizinho.
Seis é pernóstico. Meio metido a besta, como se fosse algo diferente daquilo que verdadeiramente é. Num fraque azul apertado sentencia para a vida, esquecido das suas origens.
É professoral. Pelo cachimbo usado não admite ser contrariado. E passa pito nos outros. Se deixar, emprega a palmatória para não deixar dúvida de que ele – e somente ele! – é conhecedor da verdade. E assim encerra qualquer diálogo.
Frequenta as altas rodas, escravo dessa gente, que só cultiva a hipocrisia, como cantava Noel.
Repara só: você já viu gente metida a ilustrada falar meia dúzia? Jamais!
Seisss… sibila como a fala de quem precisa gastar as consoantes desnecessariamente. Consoantes postas fora, como o dinheiro que se tem, ou não se tem. Ou mais provavelmente ainda o que se amealhou dos outros. Porém – ah, porém!… – não, não foi um caso diferente: foi o mesmo dinheiro que não compra a alegria.
Meia dúzia é pachorrento, simpático, e não admite ser redundante. Simplesmente é. Correu mundo afora e foi reconhecido como uma medida diversa daquela que normalmente se usava para fazer as contas de achego. Talvez sussurrassem no seu ouvido de que ele é o cara. E ele riu. Em meio canto da boca.
Ao contrário, seis, às vezes, se põe de ponta a cabeça para enganar que é outra coisa. E quando faz a conta é nove vezes fora.
Vou ser franco, pai de minha amiga: seis parece a hora da vez. Mas a hora não tem vez. E você sabe disso. Ela faz parte do tempo . E este , diziam os antigos, não passa de uma criança brincalhona.
Meia dúzia acatou como poucos a sabedoria de que é apenas uma metade incompleta que precisa do outro. E do que precisa? Ora, meu caro, necessita da fala das ruas, da alegria estrepitosa do balé pernóstico e licencioso de quem anseia urgentemente ter a sua vida espalmada na mão para ser dono de seu próprio destino.
E quando isso acontecer, a nossa meia dúzia poderá gargalhar, pois o confundiram com uma máscara de ocasião. Ora se pode, logo ele, que morou na filosofia.