Outras Palavras atacado: como estamos reagindo

Recebemos de Antonio Martins, editor do Outras Palavras, nova mensagem informando como o site da revista está reagindo ao ataque sofrido na noite de sábado.

Aproveitamos para compartilhar essa situação e reiterar a  nossa solidariedade.

Segue a mensagem na íntegra.

Theotonio de Paiva

Páginas devem voltar ao ar até terça-feira. Agressão revela métodos de quem não tolera liberdade de expressão. Em breve, novidades editoriais e plano para criar rede de apoiadores

É provável que, em algum momento, nas próximas 24 horas, os sites de Outras Palavras voltem ao ar. Os vírus que haviam sido implantados em nossos servidores no final da noite de sábado (veja mensagem que enviamos ontem, ou notícia em nossa página do Facebook) foram removidos – aparentemente, por completo. Uma nova varredura foi solicitada ao Google, para que constate o fim da invasão e deixe de enviar alertas a quem visita www.outraspalavras.net. Um trabalho suplementar, de correção de eventuais sequelas e tentativa de identificar os agressores, começará assim que for possível visualizar o estado de nossas bases de dados e a aparência dos sites.

O que foi possível apurar até agora ajuda a compreender como agem, na internet, os que temem a liberdade de expressão. A partir das primeiras horas desta segunda-feira (9/7), o Google forneceu uma primeira relação de 26 páginas de Outras Palavras que haviam sido infectadas, cerca de 24 horas antes. A tática dos agressores foi tirar o site do ar por meios indiretos. Eles introduziram, em nossos códigos, programação que pode contaminar os computadores de quem busca nossas informações e análises. Sabiam que, em seguida, estas ameaças seriam detectadas e, na prática, bloqueariam o acesso a nosso conteúdo. Quem se atreve a visitar um espaço na web qualquer, ao de ser avisado de que “www.outraspalavras contém malware. Seu computador pode ser infectado por um vírus, se você visitar este site”?

Mas de onde vieram os ataques? Por volta das 23h de sábado, minutos depois de constatada a invasão, solicitamos de nosso atual serviço de hospedagem (o Dreamhost) uma varredura em todos os nossos bancos de dados. A resposta chegou na tarde desta segunda, na forma de um vasto relatório. Ele revela que, nos últimos trinta dias, o espaço interno de administração do site foi acessado a partir de sete pontos na internet (IPs): três deles estão no Brasil, como é natural. Porém, há também acessos feitos da França, Grã-Bretanha e Lituânia. “Isso pode indicar que suas senhas foram invadidas”, diz Dreamhost. Para nós, é algo óbvio. Nenhuma das pessoas autorizadas a fazer intervenções importantes na arquitetura de Outras Palavras reside ou passou por nenhum destes três países, no último mês. Ou os invasores estão lá; ou usaram, como disfarce, sistemas que despistam sua origem.

Como nossas senhas foram roubadas? O próprio relatório do Dreamhost ajuda a entender. Uma das brechas mais prováveis são os computadores que usamos para alimentar os sites. Se algum deles tiver sido infectado por um vírus do tipo cavalo-de-tróia, a senha de acesso aos sites pode ter-se tornado vulnerável.

O ataque ajuda a identificar nossos calcanhares-de-aquiles. Lançado há pouco mais de dois anos, Outras Palavras cresceu rapidamente. Sua audiência está próxima de 5 mil leitores/dia. Atingimos a meta sem concessões. Mantemos um esforço permanente pela profundidade, por destacar o que os grandes meios esforçam-se em ocultar, por buscar ângulos inéditos e surpreendentes em nossas análises, por valorizar soluções estéticas inovadoras nas imagens e desenho gráfico. Mas nossa estrutura financeira e material ainda é frágil – em parte, porque todo o trabalho concentrou-se, nestes dois anos, na busca de qualidade editorial.

Agimos para superar estas lacunas. Precisamente em julho, mês em que sofremos o ataque, estamos iniciando uma nova ampliação editorial e um plano para dar sustentabilidade material ao site. Desde 2/7, uma equipe de cinco novos colaboradores está em nossa redação, conhecendo os meandros de Outras Palavras.. São jovens (entre 20 e 25 anos), ágeis e rápid@s. Em breve, começarão a produzir. Além de textos, a concretização de uma mudança gráfica; a criação de uma web-TV; a formação de uma rede de apoio e participação no site que buscará envolver nossos leitores.

Dezenas de pessoas responderam, desde domingo à noite, à primeira mensagem em que relatamos a agressão sofrida. Em alguns casos, transmitiram sugestões que estão sendo úteis no resgate; em muitos outros, comunicaram seu apoio ao trabalho que fazemos e sua confiança na recuperação do material produzido. Este apoio foi e será cada vez mais importante.

A invasão é desagradável e dispersa momentaneamente energias, mas passará em breve – mesmo que seus efeitos tenham sido maiores do que supomos. Quando você puder acessarwww.outraspalavras.net sem receber alerta de vírus, os inimigos da liberdade de expressão terão sido derrotados mais uma vez. O ritmo de nossas atualizações vai diminuir, nos primeiros dias após o choque. Mas voltaremos muito mais fortes, em seguida – e, em especial, mais capazes de envolver, em Outras Palavras, gente que quer batalhar de forma ativa por outra comunicação e outro mundo.

Mando, em nome de toda a equipe, nosso abraço afetuoso

Antonio Martins
Editor

“OUTRAS PALAVRAS” ATACADO

Recebemos de Antonio Martins, editor do Outras Palavras, a confirmação de que o site da revista está sofrendo algum tipo de ataque.

Aproveitamos para difundir a informação e prestar a nossa solidariedade.

Segue a mensagem na íntegra.

Theotonio de Paiva

Amig@s,
Desde as 22h30 deste sábado (7/7), Outras Palavras está sofrendo algum tipo de ataque, cuja natureza ainda não foi possível ainda identificar em detalhes.
Neste horário, quando preparávamos novas atualizações, a entrada no site foi bloqueada por um aviso do Google, que detecta infecção por vírus. A notificação é incompleta. Aparentemente, fomos contaminados por material distribuído pelo site http://oxsanasiberians.com — dedicado à criação de gatos de raças exóticas.
Um diagnóstico mais fino, recomendado pelo próprio Google, informa que “Em alguns casos, os códigos maliciosos podem ser adicionados por terceiros a sites legítimos, o que pode fazer com que a mensagem de aviso seja exibida”. É muito revelador, mas não vai além disso.
Em São Paulo, estamos no meio de um feriado de três dias. Os programadores que nos socorrem, acionados, não puderam responder. Também está silente, até agora, o Dreamhost, servidor que hospeda nossos bancos de dados.
página do Google para webmasters oferece sugestões sobre como verificar, em detalhes, a infecção. Mas são instruções para alguém com conhecimento específico maior que o de nossa redação de jornalistas. Será uma satisfação se pudermos contar com apoio de leitores / apoiadores capazes. Basta escrever para antonio@outraspalavras.net ou chamar (11) 8401.6311. Enquanto o problema persistir, sugerimos (com pesar) que vocês evitem, por enquanto, acessar nossas páginas. Voltaremos em breve, com muitas novidades editoriais.
Abraço forte,
Antonio Martins, editor

Possível inspiração para 2012

Recebo do Antonio Martins, editor do Outras Palavras, uma belíssima lembrança de final de ano. Como carro principal, veio um poema do Brecht, num dos seus textos menos conhecidos no Brasil, Peça Didática de Baden-Baden.

Possível inspiração para 2012

[Há 83 anos, quando o planeta vivia um cenário de turbulências e esperanças semelhante ao de hoje, o jovem Brecht escreveu o poema radical copiado a seguir. Sugeria questionar tudo — inclusive a própria obra de transformação da sociedade. Talvez esta “poesia do abandono”, este elogio ao desconforto, seja um antídoto contra a tentativa de nos converter em plateia. 2011 mostrou que estamos vivos. Um brinde a ele, a vocês que fazem o mundo mais humano, a nossos sonhos comuns e nosso desejo de fazê-los reais. Tintim! Um 2012 de boas batalhas, grandes alegrias, prazeres e delícias]

Nós os convidamos a caminhar conosco
e a conosco transformar não somente uma das leis da terra,
mas a lei fundamental.

Quando vocês tiverem melhorado o mundo,
melhorem este mundo melhorado!
Abandonem este mundo!

Quando, completando a obra, vocês tiverem transformado a humanidade,
transformem esta humanidade transformada.
Desapeguem-se dela!

E transformando o mundo e a humanidade,
transform ai-vos.
Saibam abandonar a si mesmos!

(Bertolt Brecht, “Peça Didática de Baden-Baden”, 1929)

Outras Palavras: Wikileaks e os arquivos secretos da guerra afegã

por Antonio Martins

Como uma ferramenta colaborativa da internet revelou o desastre militar que Washington tenta ocultar — e está perturbando poderes econômicos e políticos, ao tornar públicos seus segredos

Centenas de civis afegãos foram mortos, entre 2004 e 2009, em operações de guerra jamais reveladas à opinião pública. Em muitos casos, motociclistas desarmados foram alvejados sumariamente, porque soldados norte-americanos julgaram tratar-se de homens-bomba. Há uma unidade militar encarregada de capturar ou assassinar supostos líderes do Talibã, sem julgamento. Cresce a cada dia o uso de aviões não-pilotados (teleguiados a partir a bartir de uma base em Nevada) para matar militantes talibãs.

Porém, os Estados Unidos estão cada vez mais próximos de perder a guerra. Assim como quando lutava contra os soviéticos, o Talibã obteve mísseis terra-ar e os utiliza para ameaçar a coalizão liderada pelos EUA — algo também omitido à opinião pública até agora. O grupo fundamentalista intensificou a intensidade de seus bombardeios, que aterrorizam a população e já mataram mais de 2 mil civis.

Este conjunto devastador de revelações, que se tornou público a partir do último domingo (25/7), não é obra da investigação de um grande jornal. Foi possível graças a uma ferramenta participativa de comunicação nova e pouco conhecida no Brasil: o Wikileaks (“furos colaborativos”, em tradução livre). Criado em 2007, instalado em servidores na Suécia e dirigido por Julian Assange, um jornalista australiano, o Wikileaks (a exemplo da Wikipedia) permite a qualquer pessoa publicar informação que julgue relevante. Mas não se destina a difusão de conhecimento enciclopédico. Seu foco é expor o que os poderosos querem manter em sigilo — mas as sociedades têm o direito de saber.

Talvez por isso a ferramenta desafie as geometrias tradicionais da política. Apresenta-se como “fundada por dissidentes chineses, jornalistas, matemáticos e técnicos de empresas nascentes, nos Estados Unidos, Taiwan, Europa, Austrália e África do Sul.” Em seu Conselho Editorial estão, além do próprio Julian Assange, figuras como o jornalista e cineasta Philip Adams (produtor do legendário Corações e Mentes, a primeira grande denúncia midiática da guerra do Vietnã); os chineses Wang Dang e Wang Youkai (líderes dos protestos da Praça da Paz Celestial, em Beijing, 1989); o brasileiro Francisco Whitaker, um dos proponentes do Fórum Social Mundial.

Na base da proposta, uma noção que Brecht traduziu em poema: o defeito do poder é ser exercido por seres humanos…

O Wikileaks baseia-se numa noção sintetizada em poema por Bertolt Brecht: “O vosso tanque, general / é um carro-forte / derruba uma floresta / esmaga cem homens / mas tem um defeito / precisa de um condutor”. Ou seja: qualquer poder é exercido por meio de seres humanos — e estes podem refletir e se rebelar. A internet assegura a ampla difusão dos segredos e o Wikileaks cerca de garantias quem se dispõe a revelá-los.

A identidade dos que publicam documentos é preservada por meio de um sistema de criptografia “de qualidade igual aos bancos”. Os registros (“logs”) das postagens e suas origens não são mantidos no sistema. As leis suecas de garantia de liberdade imprensa protegem a divulgação de sigilos, por isso os computadores não estão sujeitos a ataques judiciários ou policiais. Como proteção adicional, o Wikileaks sugere aos usuários utilizar o Tor, um software livre que permite navegar anonimamente na net.

Também como a Wikipedia, o sistema funciona com uma equipe central reduzida — apenas cinco pessoas — e um grande corpo de voluntários. Oitocentas pessoas colaboram com a análise dos documentos postados. Há um princípio editorial básico: o Wikileaks publica apenas documentos que tenham “interesse político, histórico, diplomático ou ético”. Impede-se, com isso, a violação de intimidades. A natureza sigilosa dos documentos aceitos impede que se faça verificação definitiva de autenticidade. Por isso, a plataforma permite criar fóruns em que os próprios usuários avaliam o material publicado, aportando informações históricas e técnicas que ajudam a dirimir dúvidas.

Em poucos anos de existência, o Wikileaks acumula feitos destacados. Em novembro de 2007, publicou um manual de procedimentos vigente na base militar norte-americana de Guantánamo. O documento continha orientações ilegais ou anti-humanitária, entre as quais a proibição do acesso da Cruz Vermelha a parte dos detentos. Em 2008, reproduziu parte hackeada da caixa de correio eletrônico da governadora Sarah Palin no Yahoo — indicando que ela usava uma conta pessoal para tratar assuntos de Estado que queria manter sob discreção. Em 2009, expôs o expôs o relato interno e sigiloso, produzido pela mineradora suíço-britânica Transfigura, de um vazamento de resíduos tóxicos na Costa do Marfim, que afetou 118 mil pessoas. Em abril de 2010, difundiu um vídeo indicando que 12 pessoas (inclusive dois repórteres da Reuters) haviam sido mortos num ataque realizado em Bagdá, a partir de um helicóptero norte-americano. Uma semana depois, o Google revelou:  ”weakleaks” era o termo cuja procura mais tinha crescido no período, em sua rede mundial de servidores.

A China tenta banir o site e é imitada no Ocidente. Mas o Wikileaks continua crescendo

As quebras de sigilo assustam o poder — em diversos pontos do espectro político tradicional. No sistema chinês de controle da internet, “weakleaks” é termo vetado. Em março de 2009, a Autoridade Australiana sobre Comunicações e Mídia incluiu o site na lista dos endereços que serão banidos no país, caso sejam aprovadas leis para vigilância da rede. A relação apareceu graças ao próprio Wikileaks… À mesma época, foi invadida e revistada pela polícia, na Alemanha, a residência de Theodor Reppe, o cidadão que registrou o domínio do site no país (www.wikileaks.de).

A tentativa de repressão pode estar destinada ao fracasso. Na China, o banimento é desafiado por sites-clones que surgem a todo momento. No Ocidente, o Wikileaks penetra no próprio território da mídia convencional, como demonstram as recentes revelações sobre o Afeganistão.  Parte do material original  – cerca de 90 mil relatos reservados de ocorrências e análises dos serviços de inteligência —  foi reproduzido simultaneamente, também em 25 de julho, por três publicações internacionais relevantes — o New York Times, o diário londrino The Guardian e o semanário alemão Der Spiegel.

Em mais um sinal do poder das redes colaborativas, Caia Fittipaldi, colaboradora de Outras Palavras e animadora da rede de tradutores Vila Vudu, traduziu o material do The Guardian, a mais crítica das três publicações. Outras Palavras vai reproduzi-lo a seguir, nos posts abaixo.

Fonte: Outras Palavras

Comentário: Assim que o material for disponibilizado o Caderno ENSAiOS publicará imediatamente.