Os senhores do não

por Theotonio de Paiva

1.
Estranho país aquele que não tem dono.

Mirado de um recanto

lembra estacas ao vento

emplumadas para o nada

2.
Afugentado

Todas as dores seculares

Todos os traumas inconfessos

Todos os requintes de escárnio e usurpação

Entornaram a muito custo

A medula espinhal

E um excesso de altivez que os despossuídos insistem em deitar por terra como um sintoma histórico de não precisão.

3.
Varrido para todos os cantos

como coisa nenhuma

a nação não se firma como causa pétrea: é a pátria daqueles que se juntaram ao acaso e duramente insistem em desvelar um velho acerto

– Tenham certeza, senhores, sob o nosso teto reina a mais profunda harmonia e misericórdia entre os homens.

4.
Os interesses veladamente encobertos

As duras certezas distribuídas como quinhões

As misérias profundas como consequência de uma lógica divina

A embaralhar pesares e sermões

A confundir os traumas

A bestificar os homens frente às portas do paraíso e do inferno

5.
Duramente calcinada

a pátria

sem dominu sequer

(esquecida que fora a clemência divina do homem no próprio homem)

se esgarça num desfazer trôpego

sem sinais

como crustáceos emparedados nos arrecifes

6.
Ausente o verbo

o país submisso a todos os cânones

a todas as reservas morais

em nome do deus

sacramenta as mais tortuosas e incompreensíveis chagas

– forma pleonástica de narrar sempre o prenúncio do fim.

Silenciosamente aceitaria se deixar levar?

7.
Banquetes faustos traduzem

o indizível temor a coisa nenhuma

à mais perversa lógica

ao mais profundo trauma

distante de qualquer anseio de libertação

8.
Provavelmente não saiba

se sentar à mesa